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Janeiro/2006
Motocicletas Com Pneus Reformados:
Perigo Sobre Duas Rodas
1. Histórico

No VI Congresso Brasileiro e IV Latino - Americano, sobre Acidentes e Medicina de Tráfego, foi discutido, como tema básico:“Ciência em Prol da Preservação da Vida’’.

Foram enfocados, entre outros, os seguintes temas:

-“Motocicletas – O Perigo está nas Ruas”.
- “Acidentes Graves e Fatais com Motocicletas”.
- “A Questão da Segurança do Tráfego de Motocicletas em São Paulo”.


2. Informações técnicas sobre pneus de motos

Em veículo automotor de duas rodas (motocicletas), por haver somente dois pontos de apoio sobre o solo, os pneus representam o principal item de segurança para o motociclista.

O pneu é um item de extrema importância do sistema de suspensão no que diz respeito à segurança e conforto.

É o maior responsável pela transferência dos esforços de aceleração e frenagem, gera as forças laterais necessárias para a manutenção do equilíbrio da moto em curvas
e absorve irregularidades do solo, principalmente em situação de risco.

Possui características específicas quanto à aderência e estabilidade, influenciando largamente o desempenho das motocicletas, principalmente em manobras de emergência, quando a vida do piloto está em risco.

O cálculo estrutural do pneumático de motocicleta é extremamente importante; é uma das poucas estruturas mecânicas sujeitas a grandes deflexões e deformações, constituída por materiais de comportamentos anisotrópicos e não lineares, pois o pneu, quando em uso, passa por um processo de desintegração física, o que pode levar à fadiga dos materiais.

O projeto é concebido considerando uma única vida útil, independentemente do nível de desgaste da banda de rodagem, não prevendo a prática de reforma.

Os Pneus de Motos não são projetados para receberem reformas por quaisquer dos métodos: recapagem, recauchutagem e/ou remoldagem, pois nenhum destes processos assegura a reconstituição geométrica do pneu usado, não garantindo, assim, a dirigibilidade e a segurança oferecidas por um pneu novo.

A estrutura dos pneumáticos para motocicletas é diferente da dos pneus para autos, caminhões, ônibus e aeronaves; esses pneus para veículos de quatro rodas ou mais, em casos específicos, podem ser reformados.

A desintegração física da estrutura de um pneu de motocicleta é inevitável quando submetida ao uso e pode ser acelerada conforme sua forma de utilização, isto é, se não se respeitar as especificações do fabricante.

Tal desintegração, por sua vez, não pode ser detectada através de inspeções visuais, o que coloca em risco a segurança do usuário quando este pneu passa por um processo de reforma, pelo que veremos a seguir.


3. A “reforma” de pneus de motos

Os “reformadores” utilizam materiais para reforma, onde os compostos não são específicos para cada tipo de pneu e sim formulados para atender uma gama de produtos, considerando basicamente as medidas praticadas no mercado e não o tipo de emprego.

O desenvolvimento destes é focado, por motivo comercial, basicamente no aspecto durabilidade e não contemplam a otimização de propriedades divergentes ( ex.: abrasão x aderência ) e que variam conforme a aplicação do pneumático, quanto ao tipo de solo, a potência e peso ao qual será submetido, e o emprego do mesmo ( direcional ou de tração ).

Devido à dinâmica agressiva da motocicleta, e por possuir apenas dois pontos de apoio, o estado de conservação da estrutura do pneu é de extrema importância. Vale observar, que o processo de reforma não restabelece as condições originais da estrutura e nem dos raios de curvatura do pneu “ camber dinâmico ” e sim apenas troca as camadas superiores de borracha, deixando vulnerável a segurança do usuário.

Quanto aos aspectos normativos, não existem, nos âmbitos nacional e internacional, normas ou regulamentos técnicos quanto à prática de reforma de pneumáticos destinados a motocicletas, portanto esta é uma atividade não regulamentada.

Pela falta de documentos normativos não existem condições e parâmetros a serem verificados para assegurar a eficiência e eficácia do processo de reforma de pneus de motocicletas.

No processo de reforma o pneu usado (“selecionado” visualmente da sucata ), tem sua banda de rodagem ( processo de recauchutagem ) ou toda área entre talões (processo de remoldagem) raspados, manualmente, para aplicação de nova borracha, porém, desta forma, é impossível se obter uma raspagem simétrica que garanta a geometria do pneu.

Utopicamente, isto só seria possível com a utilização de equipamentos providos de alta tecnologia com custos altíssimos (aproximando-se dos custos com investimento em fabricação de pneus novos) que, infelizmente, na prática, fogem dos padrões de investimento dos reformadores.

Quanto à vulcanização, devido à nova camada de borracha crua aplicada ao pneu usado e raspado, este tem de passar novamente pelo processo de vulcanização, o que implica na desestabilização das propriedades físicas dos compostos, pois a borracha remanescente estará passando por um processo de revulcanização, o que torna o composto frágil, comprometendo assim a sua resistência e segurança.


4. Normas e Regulamentos

Pneus de geometria garantida de acordo com as exigências dos fabricantes de motocicletas, e conforme as normas para fabricação de pneus novos: ABNT-Associação Brasileira de Normas Técnicas, ALAPA – Associação Latino Americana de Pneus e Aros, ETRTO – Normas dos Países Europeus, TRA – Normas Norte-Americanas, e JATNA – Normas Japonesas.
Uniformidade de peso e geometria (uniforme radialmente e lateralmente), com tolerância de décimos de milímetro.

Alguns aspectos quanto à verificação de conformidade em pneus reformados de motocicletas :
· Não existem normas ou regulamentos técnicos a serem adotados como referências;

· Impossibilidade de determinar um número de amostragem que garanta a representatividade do processo, pois os pneus usados não são submetidos às mesmas condições de uso;

· Normalmente, para o pneu reformado (diferentemente do novo, que passa por processos de testes e ensaios destrutivos), não são adotados tais procedimentos para verificação do aspecto segurança.


5. Dados estatísticos

Durante o referido Congresso da ABRAMET, - a entidade que pelo trabalho que vem realizando em prol da segurança no trânsito, tem o reconhecimento e louvor da sociedade tecnológica brasileira, - foram apresentados alarmantes dados estatísticos sobre a acidentalidade e morbidade com usuários das motocicletas em São Paulo :

No período de 1993 a 2003 a participação das motocicletas na composição do tráfego da cidade de São Paulo cresceu de 2,9 % para 10,5 %, sendo que atualmente são mais de 500.000 motocicletas cadastradas (no município de São Paulo), representando 8,7 % da frota registrada na cidade.

O atual crescimento vem sendo acompanhado pelo aumento mais que proporcional de motocicletas vítimas de acidentes, chegando a serem registradas, nos cinco primeiros meses de 2005, mais mortes de motociclistas ( 22,1 % do total ), que de ocupantes de autos, ônibus e caminhões ( 20,7 % do total ).

A discussão séria deste tema, justifica-se pelo alto índice de morbidade, que é de69%.

A atividade profissional, de “motoboys”, legalizada há menos de dez anos vem crescendo de maneira impressionante, com a frota atual em torno de 500.000 motos. Tais profissionais executam atividades de alto risco, além de envolvimento em acidentes dos demais usuários de motocicletas.

Os “motoboys” constituem 1/3 dos mortos no trânsito, índice que, comparado aos de veículos, perfaz um número de vítimas assustador.

Para exemplificar, nos acidentes de automóvel, 7 % são com vítimas; em contrapartida, 71 % são vítimas nos acidentes com motos.

Em 87 acidentes no ano de 2004, havia 68 motos envolvidos, e 73 % das vítimas eram “motoboys”, 34 dos motoqueiros mortos no trânsito tinham entre 21 e 25 anos!

78 % dos acidentes com moto comprometem membros inferiores.
O custo do resgate e tratamento, somados às conseqüências deixadas como óbito e seqüelas, geram relevante problema social para o país.

Foram realizados testes de comportamento, comparando pneus novos e reformados, com acompanhamento de entidade credenciada junto ao INMETRO, o Instituto de Qualidade Falcão Bauer.

Isso permitiu constatar a precariedade de certas reformas tanto em relação às características geométrica, quanto ao emprego de materiais de formulação inadequada, conforme abaixo:

Características % Performance Vs. Novo = 100 %
Aderência Pista Molhada 36 %
Aderência Pista Seca 38 %
Dirigibilidade 45 %
Frenagem 60 %
Estabilidade em Retas 65 %
Estabilidade em Curvas 68 %


6. Posicionamento da sociedade a respeito do tema

Os fabricantes de pneus, cientes do perigo, já alertaram seus consumidores sobre o risco da prática de economizar alguns poucos reais não justifica o alto grau de risco à segurança.

Após estudos e análises efetuados, a Câmara Temática de Assuntos Veiculares do DENATRAN, aprovou por unanimidade a proibição de uso de pneus reformados em motos, ciclo motores, motonetas e triciclos, resultando na emissão da Resolução nº 158, de 22 de abril de 2004.

Sucessivas suspensões dessa Resolução ocorreram, sem justificativas plausíveis e sem qualquer fundamento técnico, contrariando-se as argumentações dos fabricantes de pneus e motos, Entidades de Classe e a própria Câmara Temática do DENATRAN – CTAV.

E porquê foi escolhido este tema como evidência?

É porque o assunto trata das principais causas claramente evidentes.

É o resultado do aviltamento da tecnologia adequada e normas que garantam a devida qualidade comprovada para este equipamento de segurança que é o pneu de motocicleta.

No mercado são “despejados” milhares destes “produtos” em forma de “pneus reformados” para motocicletas, sem controle de qualidade, sem controle da idade da borracha (matéria orgânica) e de sua vida útil, do tipo e tempo de uso do pneu-sucata, utilizado como “matéria prima”, sem respeito às normas técnicas pertinentes, sem responsáveis legais de engenharia pelo produto, sem registro e aval de órgãos institucionais de qualidade industrial (sendo um equipamento de segurança ). Isto é, acima de tudo enorme desrespeito à garantia de segurança aos usuários deste produto.

Tratando-se do principal equipamento de segurança da motocicleta, que é um veículo automotor extremamente vulnerável e perigoso, nós, engenheiros, precisamos fazer a nossa parte, nos sensibilizar, produzir a devida manifestação em defesa da tecnologia diante desta violação às normas de segurança e ao devido respeito ao exercício de engenharia competente e responsável.

Precisamos, dentro da nossa atuação profissional, alertar a sociedade em relação aos acidentes evitáveis, apresentando as causas potenciais de utilização dessas armadilhas irresponsáveis.

A nossa participação poderá se basear em desenvolver uma análise das atuais condições de componentes de segurança, ativa e passiva, das motocicletas que circulam sobre vias públicas.

Diante dessa situação, estamos propondo discutir o assunto em vários segmentos que utilizam este perigoso veículo automotor de duas rodas, buscando soluções preventivas para que haja redução do grave problema social gerado pela morte ou incapacidade definitiva, principalmente de jovens.

Muitos desses jovens são em grande maioria arrimo de família, que, para exercerem seu trabalho profissional, dependem acentuadamente da garantia da segurança deste veiculo. Não podem trabalhar sob risco de vida devido a pneus irregulares.

A situação atual, em particular, relativa ao uso altamente danoso com riscos tecnicamente comprovados dos pneus reformados, está em seguinte situação cronológica, conforme atuação das autoridades de trânsito :

· Em abril de 2004 o Contran baixou a Resolução n. 158, proibindo o uso de pneus reformados em veículos de duas ou três rodas.
A justificativa do Contran era a segurança dos motociclistas: “ o pneu reformado (recauchutado ou remoldado ) não oferece condições mínimas de segurança para uso em veículos automotores de duas ou três rodas”.

· Em julho de 2004 foi emitida uma deliberação que suspendeu a Resolução n. 158, alegando que os fabricantes e comerciantes precisavam de tempo para se adequar à nova lei.
A suspensão valia até 24 de novembro de 2004.

Em novembro de 2004, novamente, foi prorrogado o prazo da suspensão até fevereiro de 2005. Além disso, a Deliberação de n. 42, considerou um processo administrativo que avaliaria novo teste de segurança dos pneus reformados para motos.

Em Fevereiro de 2005, novamente, o prazo da suspensão da Resolução n. 158, foi prorrogado, desta vez até 30 de Junho de 2005.
Os motociclistas estavam aguardando uma decisão sobre o caso.

Em 30 de Junho de 2005, o Denatran, prorrogou até 31 de dezembro de 2005 a suspensão da Resolução n. 158, dando prazo para os reformadores a comprovação tecnológica de segurança para o uso desses pneus reformados.

Até a presente data (novembro de 2005), os reformadores não apresentaram nenhuma justificativa de garantia desses pneus.

Tendo em vista a gravíssima situação da atual morbidade no trânsito, onde o uso de pneus irregulares em motocicletas, está entre as principais causas de acidentes graves ou fatais, torna-se imperiosa a participação da sociedade tecnológica brasileira na batalha pela proibição, (com embasamento tecnológico e com a devida participação profissional competente) do uso de pneus reformados para motos.

Tratando-se de uma questão técnica, esta é uma proposta de trabalho tecnológico, de utilidade pública que passa a ser capitaneada pelo SEESP, através de sua Delegacia do Grande ABC e do seu Conselho Tecnológico.
 
Fonte: SEESP abc, Boletim Eletrônico – Ed. Especial - Dez/2005
Seja Vivo. Pilote com Segurança.
Contribuição: Ralf Kyllar